domingo, 5 de fevereiro de 2012

Moitessier dobrando o cabo Horn - 1/5 - 5/2/2012



Philippe Jeantot, o grande Philippe Jeantot, que venceu duas BOC CHALLENGE ( atual Velux 5 Oceans Race ) consecutivas, declarou no seu livro “Trois océans pour une victoire” que leu duas vezes consecutivas e na mesma noite, eu escrevi na mesma noite, “La longue route” de Bernard Moitessier. Isso aos quinze anos de idade. Isso antes de aprender a velejar. A amiga velejadora já leu, por acaso, um dos ótimos livros do Amyr Klink, duas vezes na mesma noite?
Eu andava curioso pra saber o que aconteceria de extraordinário comigo, ao ler este famoso livro-fetiche, que já mudou a vida de muito marujo pelo o mundo afora . Pois bem, li enfim o livro durante esta última aventura a bordo da “Estrela d’Alva” e aconteceram três coisas extraordinárias comigo:

1 – pela primeira vez li um apêndice com prazer, eu que detesto ler, quando leio, apêndices, prólogos, introduções ou prefácios.

2 – durante os três dias em que li o livro não consegui velejar, nem me alimentar ou dormir direito... Só pensava em ler, ler, ler e pensar a respeito... torcendo pro livro não acabar.

3 – logo após a leitura, eu que não sou poeta, comecei naturalmente a escrever o longo poema em versos brancos, digo em versos livres, MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN, utilizando metade das palavras do próprio Moitessier, traduzido pela Carmen Ballot e publicado pelas Edições Marítimas em 1984. Porque não li o livro no original, o que seria ideal? Simplesmente porque não o possuía à mão?  Em tempo, se algum poeta de verdade, desejar reescreve-lo, que o faça, por favor.


MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN



estrofe 1

as nuvens desfilam filamentosas pelo céu ao por do sol
filamentos nas nuvens é mal sinal
mas faz parte das coisas da mar
e é tão bonito de se ver
iço a vela de proa ao luar
é lua cheia esta noite
e ela ainda estará cheia durante a passagem pelo cabo Horn
isto se “Joshua” mais eu conseguirmos dobrar o cabo Horn...
tantos tentaram em vão
desistindo, naufragando, morrendo enfim
antes de consegui-lo
existe um grande cemitério submarino ao largo do Horn
com milhares de almas angustiadas de bravos marujos…
não sinto sono
o Horn está tão perto…
apesar de imensa a mar respira calmamente
um raio de luar reflete-se no topo de uma nuvem
de raio transforma-se em facho de luz
que sobe reto, vertical, sobrenatural furando o zênite
- céus, fui siderado!
- como pode a lua criar algo tão lindo?
mas o facho se alarga e torna-se fosforescente...
dir-se-ia...
o que meu Deus?!
um canhão de luz a disparar estrelas?
sei lá! quando a magia é grande demais
não cabe em letras...

estrofe 2

- mas o quê que é isso meu pai do céu?!
a lua continua tirando fogo de dentro de sua nuvem-
cartola!!!
- não, não, de jeito nenhum, isso não pode ser!
passei tempo demais sozinho na mar
contraí a doença das profundezas
só pode ser...
estou delirando, variando, tresvariando
vendo coisas que não existem
a três dedos da insanidade
tudo erro, encanto, engano, miragem!
antônimo de realidade...
invenções da minha tresloucada mente...
crestada de tanto sol
curtida de tanto sal
- santo Deus, captei!
só pode ser isso!
trata-se da famosa auréola esbranquiçada do Horn.
esse fenômeno terrível de que nos fala mestre Slocum,
prenúncio sempre de fortíssimos pés de ventos!
agora que desvendei o mistério, sinto mais medo ainda
estou aterrorizado, confesso!
Édipo diante da esfinge
após ter decifrado a esfinge
não tremeu mais do que eu tremo agora
adivinhando sua futura tragédia
de repente a mar, de calma torna-se ameaçadora
as estrelas brilham agora com um clarão muito duro
a lua fez-se glacial
no zênite um segundo facho de luz eleva-se ao lado do primeiro!
e um terceiro ao lado do segundo!

estrofe 3

um, dois, três, contei uma dezena de fachos de luz distintos...
um grande buquê de luzes sobrenaturais
flutuando no espaço!
coisa incrível!
maravilha fatal que a mente esmaga...
e melhor que tudo
boa, ótima, excelente notícia
compreendi enfim do que se trata
em vez do mal agourento diadema leitoso do Cabo Horn
anunciador das piores tempestades
trata-se de uma estonteante Aurora Boreal
o que de mais lindo vi até o presente nesta minha longa odisséia pelos mares do sul
odisséia? eu disse odisséia?
odisséia é pouco, a aventura do sagaz Ulisses não ultrapassou as colunas de Hércules/Gibraltar
enquanto que eu e meu inseparável “Joshua” completaremos em breve uma volta ao mundo
digo portanto super odisséia
digo meta odisséia se me permitem, que odisséia simplesmente é pouco
mas atenção que o espetáculo ainda não acabou
novos raios de luz juntam-se à luzidia aurora
que aumenta ainda mais de tamanho e beleza a cada instante
alarga-se, espraia-se como um leque
um dos fachos de luz quase tão largo
quanto a palma da minha mão eleva-se no céu
obscurecendo as quatro estrelas do Cruzeiro do Sul
outros raios de luz fosforescente se alongam
hesitam um instante como se fossem desaparecer
mas não, ao contrário intensificam-se
ondulando em movimentos extremamente vagarosos
que lembram os longos espinhos de certos ouriços azulados no fundo da mar
quando deles se aproxima um ser vivo qualquer
quase todos fachos de luz possuem agora as cores azul e rosa.

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